A importância dos fundamentos dos fundamentos

Ao adentrarmos o mundo da ciência, somos frequentemente confrontados com uma série de teorias, hipóteses e metodologias. No entanto, poucos param para refletir sobre o que está por trás dessas teorias. Qual é o alicerce que sustenta o edifício complexo do conhecimento científico?

A metáfora do edifício teórico não é meramente um adorno retórico. Ela representa, de maneira palpável, a arquitetura do pensamento científico[1]. Assim como em uma construção real, se a fundação não for firme, não importa quão impressionante seja a estruturação dos componentes superiores: ela estará fadada a desmoronar. Para mim, esta metáfora consegue capturar a essência de todo o processo de conhecimento como, essencialmente, uma construção contínua.

Minha jornada pessoal no universo acadêmico me fez retornar, várias vezes, a esse fascinante tema[2]. E isso por um motivo simples: porque, entender como nós, seres humanos, adquirimos e processamos o conhecimento é crucial. É o alicerce sobre o qual a educação e a pesquisa se assentam; é o meio pelo qual interagimos com o mundo ao nosso redor.

Essa preocupação, entretanto, nem sempre é compartilhada por aqueles que se aventuram no campo da ciência. É alarmante notar que, mesmo na esfera acadêmica, há aqueles que, por diversas razões, negligenciam essa questão fundamental – quando não negam sua validade como tudo, é claro. Ao fazerem isso, acabam por se apoiar em alicerces metateóricos incertos, pondo em risco a integridade de suas contribuições.

Para aqueles menos familiarizados com o termo, metateoria se refere ao produto da compreensão acerca da estrutura e movimento das próprias teorias; ou, se preferirem, o processo de teorização sobre teorias. Nesse escopo que consideramos como teorias são formadas e testadas, como interagem entre si e, ainda, como “evoluem”. Não apenas isso, mas aborda temas como objetividade, validade e causalidade, colocando à prova não apenas nossas conclusões, mas os próprios processos pelos quais chegamos nelas.

Todo cientista, consciente disso ou não, fundamenta seu trabalho em pressupostos meta-teóricos[3]. Contudo, sem a devida consciência ou entendimento desses pressupostos, seu trabalho pode ser comprometido desde o início. Ao negligenciar a metateoria, corremos o risco de comprometer o edifício do conhecimento. A imagem da torre de Jenga serve como uma ilustração perfeita: cada peça representa um conceito, uma teoria, um dado. À medida que a pesquisa avança, se não formos cautelosos, podemos remover peças essenciais da fundação para acomodar novos achados – tudo isso em nome da compatibilização. O problema, é claro, está nas consequências disso: se nossos andares superiores não forem compatíveis com as bases nas quais se apoiam, a estrutura inteira pode colapsar.

A questão, portanto, não é apenas entender a importância dos fundamentos metateóricos, mas incorporá-los em nosso trabalho diário como cientistas sociais. Não é um luxo, mas uma necessidade. E à medida que avançamos em nossa busca pelo conhecimento, é essencial que voltemos nosso olhar, periodicamente, para a base, assegurando que o edifício do saber esteja sempre em terreno sólido. Fazendo isso, garantimos que nossas descobertas, ensinamentos e insights sejam, de fato, avanços no grande processo humano de conhecer a realidade.

A ciência é, em sua essência, um constante processo de construção. Assim como uma edificação robusta necessita de alicerces sólidos, o conhecimento científico depende de fundamentações metateóricas robustas e bem compreendidas. Sem esta base, arriscamos a solidez de toda a estrutura de saberes que construímos ao longo de nossa trajetória acadêmica e profissional. A elaboração de metateoria, então, não é um mero exercício filosófico, mas a própria estrutura que sustenta a evolução do conhecimento. Portanto, é imperativo para todos os envolvidos no mundo da pesquisa e da educação não apenas reconhecer, mas também valorizar e integrar esses fundamentos em suas práticas diárias. Somente assim poderemos assegurar que a ciência continue a ser uma ferramenta relevante e confiável na nossa incessante busca pela compreensão da realidade que nos envolve.

Notas de rodapé

[1] KRUG, Ricardo Alves. A crise como crime: o problema da responsabilização individual como solução para contradições estruturais. Dissertação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022. p. 213-231.

[2] Compartilho o entusiasmo do meu colega, Thiago Celli Moreira de Araujo, sobre o assunto, conforme os registros de nossos textos aqui no Introcrim demonstram (arquivo de Celli; meu arquivo).

[3] LAWSON, Tony. Economics and reality. London; New York: Routledge, 1997. p. 47.

Outros artigos

Continue seus estudos

Darcy Ribeiro
Introcrim
Caio Patricio de Almeida

Darcy Ribeiro

O legado de luta e esperança