O combate ao patriarcado e os direitos das mulheres

A longa caminhada rumo à efetiva igualdade

Vivemos em uma sociedade patriarcal. Nossa primeira Constituição, outorgada nos tempos do Brasil império, em 1824, nada falava sobre nós. Apenas em 1988, a lei maior de nossa nação dispôs, no rol de direitos e garantias fundamentais do artigo 5º, que “homens e mulheres são iguais perante a lei”. Nem pense que foi fácil para que algo tão óbvio entrasse no texto constitucional. A chamada Bancada do batom, um grupo formado por 26 mulheres eleitas em 1986 para integrar a Assembleia Nacional Constituinte, teve um papel fundamental para isso. Naquele momento, conseguiram inserir na Magna Carta diversos direitos, como licença maternidade e proibição de diferença salarial.

Ainda assim, é preciso ter em mente que não é porque temos uma lei garantindo determinados direitos, eles na prática serão respeitados. Uma prova disso é a referida proibição de diferença salarial entre homens e mulheres: de acordo com Pesquisa realizada em 2019, o rendimento das mulheres representa, em média, 77,7% do rendimento dos homens[1].

Em 04 de maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou substitutivo ao Projeto de Lei 1085/2023, que prevê mecanismos para garantir a igualdade salarial entre homens e mulheres, estipulando inclusive multas para o seu descumprimento. E aí você pode pensar: a votação foi unânime. Ledo engano: 36 parlamentares votaram contra, dentre eles, 10 mulheres[2]. Mulheres que, até bem pouco tempo atrás, sequer tinham direito ao voto, conquistado através do Movimento Sufragista do século XIX e instituído apenas em 1932, a partir do Decreto 21.076. Apesar de termos conquistado o direito ao voto há 91 anos e sermos a maioria do eleitorado brasileiro, ainda somos sub representadas na esfera política.

Nas universidades, as mulheres concluem mais o curso superior do que homens (19,4% x 15,1%). No entanto, representam porcentagem menor no corpo docente das universidades (46,8%).  Soma-se a isso o fato de que, muitas vezes, mulheres precisam ter sua vida profissional interrompida com a chegada de um bebê e, posteriormente, sua reinserção no mercado de trabalho é por vezes árdua. Apesar de o STF em 2018 ter assegurado a estabilidade da gestante[3], sabemos que, na prática, não é o que acontece. O direito à licença-maternidade – que, diga-se de passagem, é curtíssima em relação a outros países, já que o mínimo recomendado pela OMS é de 6 meses de exclusividade de leite materno[4] – é igualmente desrespeitado.  Além disso, temos pessoas como Jair Bolsonaro (não se engane, ele representa o pensamento de milhares de pessoas) que defendem o empregador e não os direitos trabalhistas pelos quais lutamos há séculos[5]:

Se você tem um comércio que emprega 30 pessoas, eu não posso obrigá-lo a empregar 15 mulheres. A mulher luta muito por direitos iguais, legal, tudo bem. Mas eu tenho pena do empresário no Brasil, porque é uma desgraça você ser patrão no nosso país, com tantos direitos trabalhistas. Entre um homem e uma mulher jovem, o que o empresário pensa? “Poxa, essa mulher tá com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade…” (…) Quem que vai pagar a conta? O empregador. No final, ele abate no INSS, mas quebrou o ritmo de trabalho. Quando ela voltar, vai ter mais um mês de férias, ou seja, ela trabalhou cinco meses em um ano.   

Jair Bolsonaro

A transcrição do trecho acima é importante, pois, por mais que avancemos na luta pelos direitos das mulheres, sempre haverá parte da população que não compreende a relação opressor x oprimido. Os direitos são conquistados, jamais dados de mão beijada como nos fazem crer em diversos momentos históricos, como a assinatura da Lei Áurea e o voto das mulheres.

Sempre precisamos trabalhar com a ferramenta da interseccionalidade e ter em mente como as diversas opressões se entrecruzam. Em texto anterior para a coluna, cito Lélia Gonzalez, que reflete, a partir de dados concretos, que quem está na base da pirâmide é a mulher negra, que sustenta todo este sistema capitalista e é por ele consumido, que tem jornadas triplas de trabalho, que é, como disse Zola Neale Hurston, “a mula do mundo”, com diversas supressões de direitos, jornadas de trabalho exaustivas e análogas à escravidão. Em trabalho brilhante, a professora Juliana Teixeira traça a trajetória do trabalho doméstico, realizado em sua maioria por mulheres negras. Apenas em 2013 a chamada PEC das domésticas lhes garantiu direitos (que deveriam ser óbvios) como limite de carga horária semanal, adicional noturno, remuneração por hora extra e recolhimento de FGTS. Novamente, houve parlamentares que se posicionaram contra, dentre eles (não é surpresa), Bolsonaro.

Eu sempre fico chocada quando alguma mulher, ao ver os chamados filmes de época, fala: “ah, como eu gostaria de ter vivido neste período, olha que elegantes as roupas, tudo era tão lindo”. Acredito que a romantização ocorre em filmes e séries e precisamos compreender que, se há hoje opressão, no Brasil colônia e império eram muito mais fortes. De acordo com as Ordenações Filipinas, o marido poderia matar a mulher em caso de adultério e a mulher, que deveria obedecer ao pai e, quando se casasse, ao marido, deveria assegurar a honra destes homens. Com o Código Criminal de 1830, o homem não teria mais o direito de matar a mulher em caso de adultério, mas havia uma atenuante. Até bem pouco tempo, inclusive, vigorava a tese da legítima defesa da honra[6].

Como então escolher uma época em que você não tinha direitos, viveria para servir o homem, precisava ser “bela, recatada e do lar”[7], sem qualquer possibilidade de concretizar seus sonhos e desejos?

Vivenciamos até hoje comportamentos machistas que precisam ser expurgados. Vivemos ainda em uma sociedade patriarcal, em que conquistamos a passos lentos nossos direitos. De acordo com pesquisa de 2019, 16 milhões de mulheres já sofreram algum tipo de agressão. No âmbito da violência doméstica, mais de 60% das mulheres assassinadas são negras e, das 13 mulheres assassinadas por dia no Brasil, 8 são negras[8].

Ainda estamos longe de termos uma sociedade efetivamente igualitária. Seguimos na luta para eliminar todas as formas de opressão e o patriarcado é, sem dúvida, uma delas. E homens, termino o texto me dirigindo a vocês: a luta contra o patriarcado não é apenas de nós, mulheres. É de todas as pessoas.

Notas de rodapé

[1] Dados retirados de notícia veiculada pelo TST justamente no Dia Internacional das Mulheres, o que demonstra que ainda há muito a conquistar. Disponível em: https://www.tst.jus.br/-/desigualdade-salarial-entre-homens-e-mulheres-evidencia-discrimina%C3%A7%C3%A3o-de-g%C3%AAnero-no-mercado-de-trabalho#:~:text=Disparidades,Cont%C3%ADnua%20(Pnad)%20de%202019. Acesso em 01 jun. 2023.

[2] Dentre as mulheres que votaram contra, não há a menor surpresa: Bia Kicis, Carla Zambelli e Rosangela Moro.

[3] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=504086. Acesso em 01 jun. 2023.

[4] Disponível em: https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/2584-campanha-nacional-busca-estimular-aleitamento-materno#:~:text=A%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%20Mundial%20da%20Sa%C3%BAde,os%202%20anos%20de%20idade. Acesso em 01 jun. 2023

[5] Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2014/12/bolsonaro-diz-que-nao-teme-processos-e-faz-nova-ofensa-nao-merece-ser-estuprada-porque-e-muito-feia-cjkf8rj3x00cc01pi3kz6nu2e.html Acesso em: 01 jun. 2023.

[6] No caso da década de 70, em que Doca Street mata Angela Diniz, esta foi a tese sustentada no júri. Foi preciso uma mobilização do movimento feminista, com o slogan “Quem ama, não mata”, para que houvesse a condenação do réu. 

[7] Em abril de 2016, a Revista Veja publica matéria com Marcela Temer, cujo título era este. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/marcela-temer-bela-recatada-e-do-lar. Acesso em 01 jun. 2023.

[8] Disponível em: https://azmina.com.br/reportagens/entre-machismo-e-racismo-mulheres-negras-sao-as-maiores-vitimas-de-violencia/. Acesso em: 01 jun. 2023.

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